A Revista ACAD Brasil, edição 105, traz entrevistas com uma PhD, profissional de Educação Física e um Médico – esta última reproduzida com destaque no informativo desta semana.
Médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro Stress – o coelho de Alice tem sempre muita pressa, Dr. Marco Antonio Spinelli viralizou com mais de 20 mil curtidas quando, em uma entrevista de 2023, afirmou a polêmica frase “o melhor psiquiatra que tem é a academia”. Brincadeiras à parte, Spinelli, que obviamente não quis diminuir a importância da própria profissão, garante que a prática da atividade física é um forte aliado ao tratamento das doenças de saúde mental. Já passou da hora da classe médica prescrever a prática do exercício para a prevenção e o combate a doenças.
O estresse, tema do seu livro, não é algo novo. Ainda assim, os níveis e as causas de pressão podem ter mudado nos últimos anos?
Evidentemente, desde que escrevi o livro, no final da década de 1990, o estresse piorou em todos os setores e o mundo digital amplificou a incidência deste mecanismo. Estudos mostram que hoje há uma crescente epidemia, tanto de sobrepeso e obesidade quanto de prejuízo do sono. Sim: estamos vivendo numa sociedade privada de sono, as pessoas estão dormindo cada vez menos e com qualidade pior. Essa conjunção de má alimentação, mau sono, excesso de estímulo e sobrecarga de trabalho tem provocado uma epidemia de doenças relacionadas ao estresse, completamente inédita na história da raça humana.
Este quadro está se refletindo no aumento de depressão e ansiedade, que estão diretamente relacionadas ao estresse, mas também na maior incidência de outras doenças, como as oncológicas, as inflamatórias, a obesidade, a hipertensão… e, sim, especialmente as doenças relacionadas ao desespero: depressão, uso de drogas, risco suicida. Está tudo aumentando.
E a sociedade aprendeu a lidar com o estresse?
A reação ao estresse é muito importante em relação ao efeito que o estresse tem. Não há dúvida de que o estresse é uma droga, que pode ser usada a seu favor ou contra você. Em situações agudas, aquelas que você precisa de uma pronta resposta, em situações do nosso dia a dia, responder bem ao estresse é uma coisa muito importante, positiva e até tonificante, pois faz com que o seu corpo fique mais bem regulado. Mas, o é estresse que é realmente deletério – aquele prejudicial à saúde – é o estresse crônico, que se manifesta como uma resposta, uma atitude mais fatalista, mais amedrontada ou vitimizada, que o torna crônico. No último caso, é preciso buscar ajuda clínica.
Estresse crônico e a tensão emocional gerados no ambiente de trabalho por condições físicas, psicológicas e emocionais desgastantes podem ser considerados os principais “mal do século”?
O estresse é o mal do século na medida em que ele vai se tornando crônico e as pessoas vão ficando fascinada com ele, fascinadas com o sofrimento, com as dificuldades e aquilo vira uma espécie de argumento na vida: “olha, eu sou estressado então eu não posso fazer nada.” Mas pode sim! O estresse é sua responsabilidade e você tem que cuidar dele, manejá-lo para que ele seja mais positivo que negativo.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde – OMS, a pandemia mundial de Covid-19 desencadeou um aumento de 25% na prevalência de ansiedade e depressão, em todo o mundo. Como minimizar este quadro?
A pandemia teve muitos fatores estressogênicos nos quais vivemos todos juntos, desde a dificuldade para entrar na quarentena e depois a dificuldade para sair dela.
A mudança profunda das relações sociais e da relação com o trabalho, e o medo, que foi difundido de todas as formas possíveis. O entrecruzar da má informação, tanto do lado que minimiza a situação, dizia que não era tão grave e que não era preciso usar máscara e não se precisava de vacina, como o lado que pintava uma doença muito mais agressiva, inconstante e mortífera do que realmente era. Durante o caminho, a sociedade aprendeu a entender a doença, a combatê-la.
As sequelas ficaram. Especialmente sobre como enfrentar o problema do aumento de incidência das doenças de saúde mental, o enfrentamento depende que a sociedade adote um trabalho psicoeducação, que deve começar muito cedo. Primeiro, um primeiro um trabalho de psicoeducação sobre manejo de vida digital, para todo tipo de criança, e uma posição crítica com relação ao que vem de todas as mídias e formas de interação disponíveis. Outra coisa muito importante é recuperar a cognição social das pessoas, pois elas não convivem mais. Hoje, a gente vê as pessoas jantando, em uma mesa, cada uma com o seu celular, sem conversar entre elas. Então, é muito importante recuperar a capacidade de interação, as relações inter-humana, para que seja possível criar uma política de regulação emocional, de manejo de estresse, em todos os níveis. As pessoas estão precisando de muita orientação, muita ajuda e muito psicoeducação para sair dessa loucura que a gente está vivendo.
Em entrevista recente, o Dr. disse que “o melhor psiquiatra que tem é a academia”? Pode, por favor, explicar essa afirmação?
A entrevista era sobre estresse, burnout e depressão como um continuum. Falei sobre tratamento medicamentoso, da psicoterapia, dos cuidados com o sono e da importância do exercício físico. Eu soltei essa frase de efeito “que é o melhor psiquiatra que tem academia” e ela viralizou para mais de 20 milhões de pessoas.
Hoje mesmo, eu recebi um paciente que eu estou atendendo há anos e, pela primeira vez depois de muito tempo, ele abriu a consulta dizendo “poxa, estou me sentindo muito bem!” Qual foi a novidade? Além de um tratamento adequado, uma medicação bem aplicada, ele está fazendo exercícios físicos regulares. Então, a atividade física regular e com orientação – que pode ou não ser dentro de uma academia – tem um efeito tamanho que, se pudesse ser colocado num comprimido, seria o medicamento mais importante que a Medicina poderia oferecer. O exercício físico repercute positivamente na Psiquiatria e em todas as áreas da Medicina. Não há especialidade da saúde que não se beneficie com a atividade física, porque o nosso corpo foi criado para o movimento. Essa frase foi uma brincadeira, uma provocação, que foi viralizada e até mal interpretada, mas de forma alguma ataca a Psiquiatria, muito pelo contrário. Eu falava da importância da atividade física como aliada à Medicina.
Como tornar as pessoas mais ativas e consequentemente mais felizes e saudáveis? Uma campanha nacional de combate ao sedentarismo pode ser uma opção?
Um dos hábitos mais difíceis de se criar é a prática do exercício físico. O nosso corpo não foi criado pela mãe natureza para querer gastar energia. Assim, quando ele olha para uma esteira ou uma bicicleta ergométrica, ele sabe que aquele negócio não vai a lugar nenhum. É necessário um comprometimento muito profundo das pessoas para que elas consigam incluir um hábito e o que eu sugiro é que o hábito seja introduzido aos poucos. Hoje tem muita gente orientando e está se criando uma cultura da prática da atividade física relacionada à saúde, e não só mais à estética.
Essa minha frase que foi viralizada me mostrou a força que tem hoje, na internet, essa cultura de treino em academia, de exercício físico. Isso está se estabelecendo. Eu acho que uma campanha nacional contra o sedentarismo não deve trazer tantos resultados. O que tem gerado impacto é um esforço capilarizado em escolas, empresas, grupos de apoio e de motivação, nas redes sociais. Acho que isso pode funcionar muito mais do que uma campanha nacional.