Informativo ACAD Brasil

Interação entre profissionais da Saúde faz toda a diferença na reabilitação dos pacientes

 

 

Ricardo Souza é formado em Educação Física pela UFPR, com mestrado e doutorado em biomecânica pela mesma instituição. É autor de diversos livros e artigos publicados em veículos nacionais e internacionais na área do exercício e saúde. Há quase 20 anos, ministra as disciplinas de fisiologia do exercício e biomecânica em cursos de graduação e pós-graduação de Educação Física, Fisioterapia e Nutrição.

Como consultor em fitness, atua no Brasil e na Europa desenvolvendo metodologias exclusivas para academias, com mais de 40 projetos entregues e mais de 1.000 profissionais capacitados. Também é sócio proprietário da Marble Pro Studio, espaço de treinamento personalizado. É atleta máster de basquete (categoria +45 anos) e trabalhou de 2018 a 2022 como preparador físico e fisiologista da equipe do Curitiba Monsters, auxiliando nos campeonatos nacionais da LDB e CBB.

Você pode contar sobre sua experiência pessoal, que ratifica a importância do Profissional de Educação Física na prevenção e na recuperação de lesões?

Eu rompi o ligamento cruzado anterior do joelho direito quando, depois de quase um ano parado, resolvi disputar uma partida de basquete. Na época, a pandemia da covid 19 ainda não tinha terminado e muitas atividades em ambientes públicos de Curitiba, inclusive hospitais, ainda sofriam diversos tipos de restrição. A cirurgia de reconstrução, sempre indicada em lesões dessa gravidade, não poderia ser realizada naquele momento. E foi agendada para 40 dias depois.

Eu já sabia que seria necessário desenvolver uma estratégia de recuperação para o período de convalescença, com a participação de diferentes especialistas. Mas, naquela situação em particular, precisava mais do que isso. Eu precisava chegar à mesa de cirurgia nas melhores condições físicas possíveis. Por sorte, sou casado com a fisioterapeuta Tassy Souza.

Nós optamos por envolver no processo de restabelecimento o médico ortopedista, Jonathan Vidal, que já acompanhava o quadro e foi o responsável pelos procedimentos especializados. Literalmente formamos um grupo de trabalho, no qual discutíamos e decidíamos em conjunto a tomada de cada ação destinada a promover a minha recuperação.

Conversando com o meu médico, fiquei sabendo que, provavelmente, as maiores consequências no pós-cirúrgicas seriam a perda da força e a redução da função muscular. Percebi, então, que seriam esses dois fatores que eu teria que trabalhar durante os 40 dias que antecediam a cirurgia. Tentei treinar batendo todos os meus recordes de levantamento de peso, sabendo a razão da escolha desse exercício, que podia ser executado sem limitações apesar do ligamento cruzado do joelho rompido.

E como você chegou para realizar a cirurgia?


Nós programamos vários exercícios, feitos quase diariamente, com o objetivo de aumentar a força muscular. Não havia preocupação estética, até porque eu iria mesmo perder massa muscular. O que mais iria impactar na minha vida, ou seja, em minhas funções após a cirurgia, seria a falta de força. E funcionou muito bem.

Eu cheguei ao dia da cirurgia muito forte, muito preparado, o procedimento ocorreu do jeito esperado, e não precisei sequer de muletas para sair do hospital. Fiz a cirurgia, passei um dia internado e, quando me deram alta, minha esposa veio me buscar. Me levantei sozinho da cama, troquei de roupa e saí andando – mesmo que meus passos parecessem os de um pinguim. Andei até o carro sozinho e pude constatar que estava numa condição física muito boa para quem passou por uma cirurgia daquela gravidade.

Você acha que o trabalho interativo entre profissional de Educação Física, fisioterapeuta e médico fez a diferença?


Sem dúvida. Depois do pós-cirúrgico, a presença da minha esposa no momento da recuperação foi muito importante. Tive um atendimento que poucos atletas de elite têm: um fisioterapeuta 24 horas por dia. Ela ficava ao meu lado, apontando o que precisava ser feito, principalmente na manipulação e em exercícios mais passivos de recuperação de mobilidade, além da drenagem, que eu fazia duas ou três vezes por dia e que ajudou muito na redução do edema.

Diariamente, eu mandava fotos para o meu médico, estabelecendo até uma relação de amizade. Até hoje a gente vive trocando ideias e figurinhas, e isso é uma coisa muito importante. O profissional de Educação Física precisa começar a entender o valor que possui para os outros profissionais da área da saúde.

Quando surgia alguma dúvida, eu consultava para o meu médico. Quando ele tinha alguma dúvida relacionada a algum paciente, perguntava para mim. Nós trocamos informações diferentes, porque nós exercemos funções distintas e temos diferentes habilidades. Dessa forma conseguimos contribuir um com o outro.

Durante o processo de recuperação a troca de ideias foi constante. Eu falava das minhas evoluções, ele avaliava e aprovava. O tempo todo a gente decidia as coisas em grupo. Não foi, como a maioria acredita, de ações interdependentes: médico faz a parte dele, quando o médico termina entra o fisioterapeuta, quando o fisioterapeuta sai começa o trabalho do profissional da Educação Física. Não, muito ao contrário: precisa ser todo mundo junto, o tempo todo.

Mesmo você sendo praticante de esportes e profissional da área, não foi arriscado “forçar” tanto antes da cirurgia?


Reconheço que foi um pouco mais ousado do que meu médico gostaria, mas era um risco calculado. Eu estava consciente. Ele concordava e explicava os riscos dos exercícios que eu queria tentar. E ele me dava certa autonomia, até porque o profissional mais preparado para decidir que movimentos fazer era eu.

A recuperação evoluiu muito rapidamente. Com 21 dias, eu já estava agachando com mais de 50% do peso que normalmente eu aguentava. Fazia agachamentos parciais, porque era uma recomendação do meu ortopedista, mas com uma carga relativamente elevada. Com 30 dias eu já estava correndo, sem grandes mudanças de direção e, obviamente, dentro das minhas limitações.

O prognóstico do prazo para liberação de pacientes de cirurgias como a que eu sofri é de nove meses a um ano. Com sete meses, voltei ao consultório e refiz um teste de dinamometria isocinética. Ou seja, após apenas sete meses, o médico me liberou para voltar a fazer tudo que fazia antes. Minha condição já era melhor do que antes, mas deveria retomar as atividades de forma gradativa, porque ficara muito tempo parado. Eu posso jogar basquete, mas sem contato, sem o risco de instabilidade, claro.

Como eu sou da área de biomecânica, isso tem um valor muito grande para mim. Acabei conhecendo também o fisioterapeuta que controlava o equipamento e trocamos muitas ideias. Ele me ajudou muito na leitura das informações. O exame mostrou que eu já estava mais forte e mais equilibrado do que no período anterior à cirurgia.

Que lição fica de toda essa experiência?


Muitas, mas dentre elas, tive a confirmação que não há como um único profissional ter todo o conhecimento necessário para promover a saúde de alguém. O profissional de Educação Física precisa não apenas entender a função dos outros profissionais da área de saúde, mas fazê-los entender também qual é a contribuição que pode oferecer em todo o processo.

Temos uma aluna lá no estúdio que colocou uma prótese no joelho. Não hesitei em ligar para o médico dela que estranhou, porque, em geral, o profissional de Educação Física não tem essa preocupação. Mas o que mais surpreendeu o médico foi perceber que eu entendo o idioma dele, a língua da Medicina. Faço perguntas que ele não esperava que eu fizesse.

O ideal é que essa fosse uma prática comum e não uma exceção. E que o médico percebesse que o profissional faz tudo isso habitualmente. Acho que o médico sente uma sensação de segurança ao saber que seu paciente vai se exercitar num local seguro para ele.

Essa interatividade entre ortopedia, fisioterapia e Educação Física certamente vai aperfeiçoar o trabalho de todos estes profissionais da saúde, quando se pensa em acolhimento e entrega daquilo que o paciente realmente precisa num tratamento de recuperação física.

*texto produzido com informações publicadas na Proativa – Revista do Profissional de Educação Física 

 

 

WhatsApp chat